
Abri os olhos e lá estava. Levantei e lá continuei. Mais um dia. Mais uma lista. Mais uma lua para dormir, mais um sol para fingir que acordei.
Fingi que respirei e os pés no chão simulavam firmeza, mas por dentro tudo era fumaça. Fingem que sentem o mundo, mas não sentem nada! E talvez seja essa a grande verdade que a gente tenta ignorar com um chocolate quente e uma aba de navegador aberta.
Quem diria que um dia eu sentiria falta do ônibus lotado, da pressa na catraca, de outros rostos, que não o meu. Sentir falta de me arrumar para os outros, de escolher uma roupa que não seja o pijama que virou farda e, se bobear, vai sair andando sozinho pela casa ….
Sentei na cadeira, liguei o computador, li uma matéria, fiz a aula de inglês e hoje também tinha espanhol. Mais um site, mais uma aba, mais uma aula. Essa máquina virou minha janela para o mundo, e, ao mesmo tempo, minha cela. Trabalho, faculdade, idiomas, entretenimento, paquera, amigos… tudo online. Tudo cabe em uma tela, menos o calor humano. E é exatamente ele que anda fazendo falta.
Hoje tinha reunião. Daquelas que a gente torce para ser só no áudio, para continuar de moletom, de coque bagunçado e com a dignidade em falta. Mas justo hoje, com a blusa de frio mais velha do armário, a chefe resolve pedir para todo mundo abrir a câmera. “Quero ver seus rostos“, ela disse. Queria responder: “Mas que rosto, minha filha? Isso aqui é um borrão cansado de pixels”
Obedeci, como boa funcionária que sou, ou pelo menos tento ser. Abri a câmera e vi a mim mesma: sem maquiagem há dias, com uma blusa esticada que gritava por socorro e uma vontade gigante de enfiar a cara debaixo do edredom. Sorri, porque é o que se espera. Fingir que está tudo bem virou minha segunda profissão.
Enquanto o pessoal discutia prazos, projetos e outras urgências de tela, minha mente flutuava. E então, como se faltasse algo para completar o espetáculo, meu cachorro resolveu brilhar. Ele ouviu vozes e achou que era com ele. Pulou em mim, puxou a blusa velha (e mostrou que ela era ainda mais velha do que parecia), apareceu na câmera exigindo atenção e fez uma pequena revolução canina bem no meio da reunião.
Fingindo tranquilidade, eu sorria para a tela enquanto, por dentro, gritava. Repetia para mim mesma: “Ninguém tá prestando atenção em mim.” Mas o problema não era eles. Era eu. Eu estava me vendo. E isso era o que mais me incomodava.
Via minha blusa desbotada, o cabelo de quem perdeu uma guerra e a cara de quem não dorme direito há semanas. Fingia presença, balançava a cabeça, sorria automático. Estava ali,mas só fisicamente. A alma, talvez, estivesse em algum lugar mais quente, onde as pessoas se olham nos olhos e o mundo não cabe em uma aba de navegador.
Quando a reunião acabou, suspirei. Finalmente podia voltar ao meu privilégio de ser feia e desajeitada longe dos olhos dos colegas — só sob o julgamento silencioso do meu cachorro, que me encara como quem pensa: “É isso que virou a minha humana?”
Mais um dia passou. Mais um sol se pôs. Mais um dia sem abrir a porta de casa. Fiz uma nota mental: na próxima reunião, pelo menos passar um rímel. Ou uma escova no cabelo. Ou talvez, só talvez, dar um oi pro mundo fora da tela.







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