
Era dia de terapia, aquele momento sagrado da semana em que você paga para alguém te fazer perguntas difíceis enquanto você tenta parecer madura, mesmo estando a um passo do colapso. Como boa dependente do convênio, lá estava eu, firme nas terapias presenciais. Pois, a burocracia não aceita sessões online, mas aceita que a gente vá caminhando com o coração em frangalhos e o fone de ouvido tocando músicas que nos deixa ainda mais triste e dizendo que a vida tem trilha sonora.
Cheguei na clínica, peguei minha senha, retirei os fones com ares de quem vai encarar o divã com coragem… e percebi que um lado do fone havia simplesmente sumido. Desaparecido. Evaporado. Abduzido. Um dos fones foi para Nárnia e deixou o outro viúvo.
Entrei em pânico, o que é irônico, considerando o lugar em que eu estava. Procurei no chão, atrás dos bancos, entre as cadeiras da recepção. Algumas almas caridosas se juntaram à minha saga, como se aquilo fosse uma versão moderna de “Onde está Wally?”, só que com menos diversão e mais angústia.
Me joguei no chão com uma dignidade que Freud aprovaria, revirei panos de chão suspeitos, olhei até nas plantas da recepção. Nada. N-A-D-A. O fone havia desaparecido com o meu ânimo.
Derrotada, fui até a recepcionista e deixei meu nome, telefone e dignidade, pedindo que guardassem o fone caso algum milagre acontecesse. Depois, entrei para a sessão de terapia com um pensamento recorrente: “Era novinho… Tava na garantia… Eu nem usei tanto…”.
A sessão foi difícil, como todas. Daquelas que você sai se perguntando por que começou a fazer terapia, mas lembrando que, se não fizesse, provavelmente já estaria mandando áudios de sete minutos para desconhecidos no WhatsApp.
Saí meio aérea, fui para o metrô e senti aquela urgência fisiológica universal: precisava ir ao banheiro. E foi então, ao abrir o botão da jardineira jeans, que o milagre aconteceu. O fone caiu no chão. Plim. Como se dissesse: “Oi, voltei!”
Ele estava ali o tempo todo. Preso, camuflado no botão da jardineira, só esperando o momento certo de reaparecer. E ninguém, repito, NINGUÉM viu. Nem eu. Nem os curiosos da recepção. Nem a faxineira dos panos suspeitos.
E aí, é claro, bateu aquele pensamento meio filosófico, meio gospel, que toda boa sessão de terapia planta na cabeça da gente: quantas vezes a gente acha que perdeu algo importante? Um sonho, uma resposta, uma direção e, na verdade, estava tudo ali, escondido, quietinho, só esperando a hora certa de aparecer?
Quantas vezes a gente sai por aí procurando coisas que nem nos pertencem, enquanto aquilo que Deus preparou para a gente já está encaixado direitinho na nossa vida, só faltando um movimento, um botão aberto, um olhar mais atento?
No fim, o fone apareceu. O aprendizado ficou. E a jardineira nunca mais será só uma peça de roupa, ela virou metáfora.







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